Nesta quarta (12/06), no auditório do Ministério Público Federal, em Salvador, foi realizada Audiência Pública sobre os impactos da implantação da ponte Salvador -Itaparica para as comunidades tradicionais na região. O evento foi dividido em três momentos. No primeiro, lideranças da ilha de Itaparica e de Salvador relataram as especificidades de seus grupos, a existência de violações de direitos, além de ausência de escuta e diálogo com o governo do estado e a concessionária. Relataram também dificuldades no o às informações referente ao empreendimento, a falta de comunicação com as comunidades que sofrerão os impactos da obra durante o processo de construção da ponte e após. A mesa desta fase da audiência foi composta por lideranças do Terreiro Casa Branca, Terreiro Opô Afonjá, Terreiro Tuntum, Terreiro Agboula, Povos Ciganos, Colônia de Pescadores, Indígenas da etnia Tupinambás e Pastoral dos Pescadores.
Na segunda parte do evento foi realizada uma segunda mesa com representantes do Governo do Estado da Bahia, Procuradoria Geral do Estado, Ministério Público Federal e Estadual e representante da Concessionária que apresentaram de forma pontual alguns aspectos dentro de suas respectivas atribuições.
Em seguida, foi aberto o microfone para que as pessoas inscritas que solicitaram o uso da fala pudessem fazer suas colocações, oportunidade em que foi apontado que a construção da ponte tem como objetivo principal fazer transporte de cargas para atender aos interesses do agronegócio e da mineração; que existe um modal (ferry boat) que está sendo sucateado para criar um sentimento coletivo de ineficiência do sistema que atende a população em geral e que se o poder público investisse na sua requalificação seria menos oneroso e mais sustentável do que a edificação de uma ponte da envergadura que está sendo proposta; que a ilha não tem infra-estrutura para receber um empreendimento, pois além de ser constituída de material rochoso poroso, sua população carece do o a direitos sociais básicos, como saúde (o hospital local não tem leito de UTI), saneamento básico (falta abastecimento de água regular e tratamento adequado do esgoto que é lançado no rio), educação (as escolas têm estrutura precária e não há nenhuma instituição de ensino superior público na ilha), direito de ir e vir (pois o projeto prevê a criação de seis faixas para veículos, cortando a ilha ao meio sem faixas de pedestres nem ciclovias); que se direitos básicos da população local não forem observados, haverá aumento da prostituição, tráfico de drogas, abuso sexual de crianças e adolescentes, além da especulação imobiliária que, desde o anúncio da ponte, tem ameaçado a permanência da população nativa aos seus territórios; que espécies marinhas que habitam ou visitam a baía para desova poderão mudar suas rotas, o que implicará diretamente na vida e subsistência de pescadores e marisqueiras; que os povos de terreiro da região de Salvador sequer foram identificados no relatório êmico e que também precisam ser ouvidos, além das colônias de pesca diretamente atingidas pela obra e adjacências; que o meio ambiente será transformado de forma irreversível; que nas Ilhas de Itaparica e Vera Cruz correm rios que desaguam no mar, áreas de manguezal, locais em que a Mata Atlântica foi preservada pelas comunidades tradicionais locais; que as práticas e fazeres das religiões de matriz africana sofrerão impactos diretos, pois a compreensão de território transcende a ideia de edificação construída do terreiro, abarcando locais onde as práticas religiosas e comunitárias se realizam (mar, rio, mata, etc). Foi dito também que o estudo de impacto ambiental precisa ser revisado devido a inconsistência e imprecisão das informações.
KOINONIA acompanhou a audiência pública prestando apoio às comunidades presentes e, ao fazer o uso da fala, além de reforçar as colocações que antecederam, sinalizou a ausência de identificação dos povos de terreiro de Salvador que serão impactados com a construção da ponte e a necessidade de escutá-los; apontou a necessidade do MPF buscar mecanismos de fiscalização do processo de consulta prévia às comunidades tradicionais para que não haja interferências, uma vez que a empresa de consultoria técnica já foi contratada pelo Consórcio sem que houvesse chamamento público e que os trâmites estão correndo a os largos sem que tenha sido feita a consulta prévia às comunidades tradicionais que serão impactadas na região.
O Ministério Público Federal relatou que o órgão está em tratativas para a realização de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Governo do Estado da Bahia e o Consórcio a fim de viabilizar a realização do direito de consulta prévia – que no caso dos povos de terreiro, ciganos, indígenas, pescadores e marisqueiras se dará de forma tardia – contudo, a partir das falas calorosas, notou-se que a maioria dos presentes na Audiência Pública se mostraram resistentes e contrários a construção da ponte Salvador Itaparica.
+ Confira a audiência pública na íntegra em: https://www.youtube.com/live/vbjES2cOrNw?feature=shared
Entenda o caso
A construção da Ponte Salvador-Itaparica, prevista para ser a segunda maior do Brasil, visa ligar a capital baiana à Ilha de Itaparica, prometendo facilitar o escoamento da produção agrícola e melhorar a mobilidade na região. No entanto, a obra tem sido alvo de críticas por seus impactos ambientais, sociais e culturais.
Estudos apontam que mais de 100 terreiros de matriz africana na Ilha de Itaparica estão sob ameaça devido à especulação imobiliária desencadeada pela promessa da construção da ponte. Segundo um relatório divulgado pelo governo da Bahia, há 116 terreiros na ilha sob risco, com impactos negativos que incluem remoções, violação de lugares sagrados, demolições e degradação ambiental, além de racismo e intolerância religiosa.
Apesar das recomendações do Ministério Público Federal e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a realização de consulta prévia às comunidades tradicionais, o governo estadual e o consórcio responsável pela obra não cumpriram adequadamente esses procedimentos, conforme denúncias de lideranças locais e organizações da sociedade civil.
Além dos impactos culturais, a obra também ameaça ecossistemas sensíveis da Baía de Todos os Santos, como manguezais e recifes de corais, essenciais para a biodiversidade local e para a subsistência de comunidades pesqueiras. Ambientalistas e pescadores temem que a construção libere contaminantes do fundo da baía, tornando a pesca insegura e mais escassa.
Diante desse cenário, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e comunidades afetadas têm se mobilizado para exigir a suspensão da obra até que sejam garantidos os direitos das comunidades tradicionais e realizados os devidos estudos de impacto ambiental e social. A luta continua pela preservação dos territórios, culturas e modos de vida das populações da Ilha de Itaparica.